As imagens que se seguem, acompanham o rico artigo escrito por Dom Mauro M. Fragoso, OSB. que segue em sua íntegra abaixo:
Igreja Abacial de Nossa Senhora do Monserrate do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro
D. Mauro Maia Fragoso, OSB
Apresentação
A construção e a ornamentação da Igreja Abacial de Nossa Senhora do Monserrate do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro pode ser vista como uma síntese do cristianismo que, partindo de Israel, difundiu-se pela Europa, de onde passou à América. Vindos da Bahia, Frei Pedro Ferraz e Frei João Porcalho chegaram à cidade do Rio de Janeiro no final da década de 1580, em busca de local apropriado para a fundação de um mosteiro às margens da baía da Guanabara. Inicialmente, instalaram-se na ermida de Nossa Senhora do Ó, atual Nossa Senhora do Carmo, na rua Primeiro de Março. Já em 1590, os dois fundadores receberam de Manuel de Brito e seu filho, Diogo de Brito de Lacerda, a doação de uma sesmaria, onde Aleixo Manuel mandara edificar uma capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição. Orago esse que, no ano de 1602, foi comutado por Nossa Senhora do Monserrate (Dietario, p. 3-5, 8). Depreende-se do Dietario (p.14), que a primitiva capela estava situada nas proximidades da escadaria que dá acesso a rua Primeiro de Março, do Jardim de Jericó e do atual Arsenal da Marinha (FRAGOSO, 2015, p. 181).
No ano de 1633, “abriram os alicerces da nova igreja” (Dietario, p. 19), continuando as obras nos anos seguintes, em conexão com a atuação arquitetônica do beneditino Frei João Turriano (1609-1679), na reconstrução da igreja do Mosteiro beneditino de Santo Tirso (DIAS, 2011, p. 180). A construção da igreja abacial fluminense foi acompanhada por Frei Leandro de São Bento, Frei Tomás da Assunção e Frei Bernardo de São Bento, conventuais da mesma abadia (Dietario, p. 231, 239-40).
No intuito de mostrar a construção da igreja abacial fluminense vinculada à sua matriz lusitana, mencionam-se, ao longo do texto, desejos ou tentativas de importação de talha ou azulejos portugueses que conferissem maior dignidade ao templo. Todavia nem todos esses adereços arquitetônicos foram importados ou, se importados, não foram devidamente registrados.
A fachada e seus componentes arquitetônicos
A fachada da igreja abacial fluminense está inserida entre duas torres laterais, composta por três arcadas, que dão acesso ao pórtico, três janelas, frontão simples, arrematado em forma triangular e delineados por cantaria.
A torre que está a leste foi construída entre os anos de 1652 e 1663. Entre 1663 e 1666, levantou-se o alpendre contíguo à referida torre (Dietario, p. 26, 28, 30-31). Entre os anos de 1666 e 1669, ergueu-se “o frontispício da igreja, deixando emadeirado todo o espaço do coro”, e principiou-se a levantar a “torre da parte do outeiro da Conceição, pondo-a na altura da cornija” (Dietario, p. 32). Entre os anos de 1691 e 1694, fez-se a “portaria do lado do morro pelo mesmo risco da outra, com o mesmo alpendre” (Dietario, p. 45). Entre os anos 1750 e 1753, o abade desejou cobrir com azulejo branco todo o frontispício da igreja, incluindo as duas torres laterais. Não o fez por falta de tempo (Dietário, p. 97). Em 1903, esse alpendre foi demolido para dar lugar ao Ginásio de São Bento. No início da década de 1970, o Ginásio de São Bento foi demolido e o alpendre, reconstruído (Rocha, 1991, p. 98).
Os portões de ferro
As três arcadas em cantaria são fechadas por grades de ferro fundido, instaladas no final do século XIX, em substituição as primitivas grades em ferro dourado e de linhas retas que remontam aos anos de 1750 a 1753 (Dietario, p. 97).
Iconograficamente, o rendilhado emoldurado em ferro que cobre as três arcadas apresenta uma sinopse da espiritualidade proposta no interior dessa igreja abacial. Espiritualidade essa que remonta aos primórdios do cristianismo, com as figuras de São Lourenço e São Brás, passando pelo medievo, na pessoa de Santa Gertrudes Magna, e atinge a contemporaneidade, entre a construção do templo e o processo de canonização de São Caetano de Tiene.
A cifra 1880, que se encontra na base da bandeira central, indica o ano em que serralheiros ingleses fundiram tais portões.
O brasão de armas da Congregação Beneditina do Brasil
Inicialmente, esse brasão de armas pertenceu a Congregação beneditina dos monges negros de Portugal, erigida no ano de 1566 e extinta em 1834. Após a independência do Brasil, houve também a independência das casas religiosas vinculadas à Igreja portuguesa. Naquele contexto no ano de 1827, foi criada a Congregação Beneditina do Brasil.
O brasão é composto por um leão e um castelo, que representam os reinos de Leão e Castela, onde teve início a Congregação beneditina espanhola. Esta, por sua vez, na década de 1560, restaurou os mosteiros portugueses, reunindo-os em Congregação beneditina portuguesa.

O sol que se coloca sobre o castelo representa São Bento como legislador do monaquismo ocidental e, por conseguinte, o gérmen da família beneditina. Entre os elementos heráldicos que compõem o brasão, aparecem o báculo e a mitra como insígnias do poder abacial. Do castelo jorra uma torrente que representa os monges que partindo de Portugal fundaram mosteiros no Brasil.
O pórtico
Denomina-se pórtico o espaço que faz a transição do adro à nave da igreja. Vinculado ao Salmo 84 (10), esse espaço arquitetônico remete simbolicamente aos átrios da Casa de Deus ou a antessala da Casa do Senhor. Por ser um espaço de transição entre o profano e o sagrado, o pórtico serve como um local de preparação para o recolhimento e o encontro com a divindade.
Esse compartimento, por vezes também denominado nártex ou galilé, tem o rodapé em cantaria encimado por barra azulejada. No piso ladrilhado em mármore, destaca-se a rosa dos ventos, instrumento de navegação que aponta o Cristo, que é norte dos cristãos. Este, configurado ao centro do universo, envia os doze apóstolos a pregar o Evangelho nos quatro cantos da terra. Outrossim, a rosácea se vincula às doze constelações zodiacais que, divididas em quatro grupos de três, regem as quatro estações do ano. E ainda, em conformidade com as quatro estações anuais, forma-se o calendário litúrgico, composto por quatro tempos: advento, quaresma, páscoa e tempo comum. Em última instância, a rosácea, como figura do sol, representa o Cristo que nasce para todos e a todos ilumina.
A nave e suas representações iconográficas
A palavra nave tem origem no vocabulário latino, que a utiliza com a significação de navio ou outra embarcação náutica. Na arquitetura, é utilizada para denominar o espaço central do templo cristão, inserida entre o pórtico e a capela-mor. Simbolicamente, o termo evoca o espaço arquitetônico no qual se reúne a assembleia cristã, vinculando-o à barca de Pedro. Desse modo, a nave lembra a embarcação que transporta os fiéis à Pátria celeste.
Sobre a porta almofadada do centro, encontra-se instalado uma parte do órgão de tubos, denominada órgão da coroa em razão da forma do seu coroamento. A parte inferior desse mezanino que sustenta o órgão da coroa é ornada com um atlante e quatro cariátides, figuras da mitologia grega que, segundo a tradição, eram as entidades divinas responsáveis pela sustentação da abóbada celeste.
O para-vento
Diante da porta almofadada central, encontra-se instalado o para-vento, executado entre os anos de 1733 e 1736 (Dietario, p. 77). Trata-se de um portal que, se necessário, é fechado por uma porta em duas folhas. Destina-se a interromper a corrente de ar no interior da igreja, a fim de manter as velas acesas ou evitar acelerada combustão durante as celebrações. O coroamento do para-vento é composto por um painel sustentado por quatro cariátides em relevo, afixadas nos marcos laterais. Em cada extremidade lateral, encontra-se um anjo sentado sobre balaústre e cada qual com sua trombeta. Em consonância com a Regra de São Bento, as trombetas desses anjos assinalam o espaço como um ambiente destinado ao louvor divino. Do lado externo, em plano mais elevado, encontra-se uma cartela com os atributos iconográficos de São Bento: o corvo, que livrara São Bento do pão envenenado; a cruz, símbolo do cristianismo; e o livro, aludindo à Regra de São Bento, como norma de vida para os cenobitas. Do lado interno, os dois anjos sustentam o brasão de armas da Congregação Beneditina do Brasil. Cada qual em meio vulto, ostentando a palma da vitória, símbolo da recompensa daqueles que “alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14) pelo batismo; pelo derramamento de sangue; ou ainda, pelo martírio incruento daqueles que nos claustros se consagraram a Deus e intercedem pela humanidade, à semelhança da vela que pela chama louva a Deus, aquece e ilumina o ambiente.
As capelas rasas dedicadas à Beata Ida de Louvaina e à Santa Francisca Romana
Nas paredes que se iniciam ao lado das portas almofadadas, encontram-se instaladas duas capelas rasas: uma dedicada a Beata Ida de Louvaina, à direita, e outra dedicada a Santa Francisca Romana, à esquerda do visitante que ingressa no templo.
O revestimento da nave em talha dourada
Não obstante a igreja ter sido inaugurada nos primórdios da década de 1640, o revestimento da nave em talha dourada remonta aos anos de 1714 a 1717 e se prolonga até o triênio de 1733 a 1736 (Dietario, p.66, 77). Obra dos entalhadores Simão da Cunha, José da Conceição e Alexandre Machado Pereira, ficando o douramento a cargo de Caetano da Costa Coelho (Dietario, p. 7) e a policromia das esculturas realizada pelo Mestre pintor Antônio Teles e Miguel do Loreto (Dietario, p. 77). O forro do teto, pintado a óleo e imitando mármore, foi realizado no triênio de 1688 a 1691 (Dietario, p. 45).
O principal elemento decorativo desse espaço é a folha de acanto estabelecida como pano de fundo, que vez por outra é enriquecida com a presença de conchas, pássaros e putos. Entre os elementos de adorno, a historiografia beneditina é retratada em 12 figuras de meio vulto distribuídas em quatro papas, quatro bispos e quatro reis.
Os púlpitos e as pombas
Púlpito é uma palavra de origem latina e faz referência a plataforma ou palco. Este elemento arquitetônico foi incorporado ao mobiliário cristão por volta do século XIII, com a finalidade de destacar a liturgia da palavra, elevando-a acima das demais peças do mobiliário que compõem o presbitério. No final da Idade Média, o púlpito foi deslocado do presbitério para a nave da igreja, visando à maior proximidade entre pregador e fiéis com o objetivo de facilitar-lhes a audição.
Na igreja em questão, os dois púlpitos estão afixados entre os arcos que se abrem para as capelas laterais. No passado, desses dois púlpitos, os celebrantes proferiam as sagradas leituras e instruíam os fiéis através de seus sermões ou homilias. No forro de cada abafa-voz que cobre esses dois púlpitos, delineiam-se pombas como símbolo do Espírito Santo que orienta o pregador em suas exortações.
As grades de jacarandá
Entre 1700 e 1703, fizeram-se as grades de jacarandá destinadas a separação entre a nave da igreja e as capelas (Dietario, p. 57). No ano de 1933, na esteira da reforma litúrgica, essas grades foram removidas. Contudo a divergência de opinião entre os diretores do patrimônio fez com que, no ano de 1943, elas retornassem ao seu lugar original. Em 1976, sob uma nova perspectiva litúrgica, as grades passaram a ocupar os lugares em que ora se encontram (ROCHA, 1991, p. 126).
A talha do arco cruzeiro
Entre os anos de 1640 e 1642, o arco cruzeiro foi considerado pronto para receber seu revestimento em talha (Dietario, p. 22). Contudo, tal revestimento foi postergado e realizado somente após o alargamento do mesmo arco entre os anos de 1677 e 1679 (Dietario, p. 37-8).
A primitiva talha da capela-mor, incluindo a do arco cruzeiro, foi executada por Frei Domingos da Conceição entre os anos de 1681 e 1703 (Dietario, p. 40, 51). A talha que reveste o frontispício da capela-mor entre a cornija e o teto, foi orçada em Lisboa, em mais de 3 mil cruzados, excetuando-se a madeira. Contudo, foi executada por Frei Domingos da Silva no próprio Mosteiro, como consta no Dietario (p. 56). Posteriormente essa talha foi substituída por obra de Inácio Ferra Pinto, entre os anos de 1787 e 1793 (Códice 23, citado emRocha, 1991, p. 122).
A coluna torsa foi executada entre os anos de 1691 e 1703 e dourada entre 1714 e 1717 (Dietario, p. 45, 56, 64). Sua ornamentação é constituída por frutos da videira e uma espécie de pássaro.
Os vitrais
Os dois vitrais que fecham o óculo tanto do arco cruzeiro como o do zimbório, foram encomendados na Alemanha no ano de 1928 (Crônica do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro,1974, p. 17s, citado em Rocha, 1991, p. 125).
Anjos tocheiros e figuras alegóricas na transição entre a nave e a capela-mor
A transição da nave para a capela-mor é assinalada pela presença de dois anjos tocheiros, adjacentes as duas colunas de fuste reto, e duas alegorias, sob a aparência de mulheres, instaladas acima da cornija.
Os dois anjos tocheiros foram esculpidos por José da Conceição e Simão da Cunha, conforme consta na documentação contratual assinada nos anos de 1734, 1736 e 1737 (Documento 596-11, citado em Rocha, 1991, p. 220), e estofados pelo Mestre pintor Antônio Teles e Miguel do Loreto (Dietario, p. 77).
Nas bases das colunas de fuste reto e sob os pés dos anjos tocheiros, encontram-se quatro espanholetes, motivo ornamental que se encontra repetido na parte interna do arco cruzeiro, acima da cornija e próximo às duas figuras alegóricas. Não se trata necessariamente de figura religiosa e, por isso mesmo, frequentemente utilizada em edificações para uso civil.
A capela-mor
Como se depreende do Dietario (p. 22), a capela-mor teve sua abóboda construída entre os anos de 1640 e 1642, permitindo a inauguração da igreja para a festividade de São Bento do ano 1641 ou 1642. Naquela ocasião, as imagens da primitiva ermida de Nossa Senhora da Conceição foram trasladadas em procissão para a Igreja Abacial de Nossa Senhora do Monserrate, cujo teto foi ornado com talha dourada entre 1688 e 1689 (Dietario, p. 46). Suas paredes laterais se encontram revestidas por 14 painéis que se ajustam em torno do zimbório. No retábulo, ladeando a imagem de orago, encontram-se as imagens de São Bento e Santa Escolástica.
Os painéis e o zimbório
Os 14 painéis da capela-mor retratam hierofanias da Virgem Maria a 13 santos da família beneditina. Eles foram encomendados ao futuro Frei Ricardo do Pilar no triênio de 1669 e 1673, e começaram a ser instalados nas laterais da capela entre os anos de 1677 e 1680, ao mesmo tempo que Frei Bernardo de São Bento alargava o arco cruzeiro em dez palmos, por ser demasiadamente baixo, e abria os dois zimbórios (Dietario, p. 34-35, 38). Segundo a narrativa do Dietario, um desses zimbórios foi aberto no frontispício, acima do arco cruzeiro, e o outro, no centro da abóbada, deixando o devido espaço para a instalação dos painéis ainda em execução. Por volta de 1930, o óculo do frontispício recebeu o vitral em forma da medalha de São Bento e o lanternim da abóbada passou a ostentar a pomba, simbolizando o Espírito Santo (Crônica do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1974, p. 17s, citado em Rocha, 1991, p. 125).
Segundo Frei Paulo da Conceição, no ano de 1773 os painéis já estavam “muito desfigurados pelos reparos” a que foram submetidos (Dietario, p. 35). Em “Construtores e artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro”, Silva-Nigra relata as intervenções que esses painéis sofreram ao longo dos séculos XVIII e XIX. No final do século XX, os painéis foram restaurados sob a orientação do professor Edson Motta, que contou com a colaboração de Gracy Neylor Membiratan Gonçalves e Ondina Viegas Romano. (ROCHA, 1991, p. 187-94). Na primeira década do século XXI, sob a coordenação de Rejane Oliveira dos Santos e Ana Mary Torres Amador, os quadros foram mais uma vez restaurados, quando novamente sofreram reintegração pictórica (FRAGOSO, 2016).
Retábulo
Por ser a titular da Igreja Abacial, Nossa Senhora do Monserrate ocupa o lugar central do retábulo-mor, ladeada por São Bento e por sua irmã Santa Escolástica.
O primitivo retábulo dessa capela-mor foi construído entre os anos de 1669 e 1676, e seu douramento e a policromia das imagens nele alojadas, executados entre 1677 e 1680 (Dietario, p. 34, 36, 38). Concluído aquele primitivo retábulo, fez-se “o altar-mor em cantaria jaspeada e deu-se princípio a tribuna, abrindo uma escada para ela entre a capela e a sacristia” (p. 36-7). Posteriormente, tanto o retábulo como o altar foram substituídos. No lugar do altar de cantaria, pôs-se um altar móvel de madeira em forma de sarcófago, seguindo o modelo em voga naquela ocasião. As imagens instaladas no extinto retábulo foram realocadas no atual, executado no fim do século XVIII.
Nossa Senhora do Monserrate ladeada por São Bento e Santa Escolástica
A devoção à Nossa Senhora do Monserrate remonta a meados do primeiro milênio da era cristã. Trata-se de uma escultura da Virgem Maria encontrada nas montanhas próximas a cidade de Barcelona, na Espanha, onde no século IX, segundo a tradição, já se encontravam algumas ermidas. No século XI, uma comunidade beneditina se instalou numa capela dedicada à Virgem Maria e fez dela importante centro difusor da espiritualidade cristã. No século XVI, dois cenobitas pertencentes a abadia catalã foram enviados a Portugal, a fim de restaurarem os mosteiros lusitanos, de onde, na mesma centúria, um grupo de monges portugueses partiu rumo ao Brasil, fundando então, em Salvador, nos primeiros anos da década de 1580, o primeiro cenóbio beneditino do continente americano.
Segundo Josep de Laplana (1995), a representação iconográfica da Virgem Maria de Monserrate sofreu, no decurso da história, algumas variações até mesmo na Espanha. Entre essas variações, Laplana cita a escultura fluminense, na qual a Virgem é retratada em trono régio, sustentando o menino Jesus ao colo e o cetro real na mão direita. Ambas as figuras estão coroadas. O menino porta o globo terrestre em sua mão esquerda e ergue a direita em sinal de bênção.
Em dois nichos inferiores que ladeiam a imagem de orago, encontram-se instalados São Bento e Santa Escolástica, portando báculo e resplendor. Além desses elementos iconográficos, São Bento traz sobre o peito a cruz abacial, tem o cabelo tonsurado e estende a mão direita em forma de bênção. Santa Escolástica, como virgem consagrada, traz a cabeça coberta por véu, pescoço e peito revestidos com pala, sustentando na mão esquerda a Regra de São Bento e a imagem da pomba, ave pela qual São Bento identificou a alma da irmã sendo conduzida ao céu.
Descendentes da realeza davídica, a Virgem Maria e o Menino Jesus portam coroa, ao passo que São Bento e Santa Escolástica, como os demais santos que não pertencentes à realeza, trazem na cabeça o resplendor, adereço hagiográfico utilizado para representar a auréola dos santos em geral. Os dois irmãos gêmeos estão revestidos com a cogula, que é uma veste monástica com feitio de túnica ampla e sobreposta ao hábito talar.
Capelas laterais
Adjacentes à nave da igreja, distribuem-se oito capelas laterais, que devem ser consideradas no contexto da época em que foram construídas, ou seja, sob a vigência das normas ditadas pelo Concílio de Trento, em conformidade com a tradição eclesiástica medieval e a importância do papel desempenhado pelas irmandades durante o regime do padroado luso-brasileiro.
As capelas contíguas à parede do claustro, a esquerda do templo, foram construídas entre os anos de 1677 e 1688 (Dietario, p. 38, 44), ao passo que as capelas do lado poente, a direita do templo, foram construídas entre os anos de 1686 e 1688(Dietario, p. 41).
O Dietario diz que, entre 1700 e 1703, foram encomendados em Portugal um retábulo e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição e outro retábulo para o altar de Santo Amaro. No mesmo período, a irmandade de São Brás fez o seu retábulo e a de São Caetano dourou o seu. Entre 1757 e 1760, fez-se o novo retábulo para a capela de São Caetano, aplicando-lhe o douramento entre os anos de 1760 e 1763 (Dietario, p. 57, 85, 108). Entre os anos de 1763 e 1766, o primitivo retábulo de São Brás foi substituído por outro, que recebeu o douramento no triênio seguinte (Dietario, p. 108, 114).
Segundo os Estado em que se encontrava o mosteiro (fl. 174), no final do triênio de 1777 a 1779, pintaram-se as abóbadas das capelas de São Lourenço, de Santa Gertrudes e de São Brás. Posteriormente, a abóbada da capela de São Brás foi revestida com talha.
Na documentação pesquisada, não se encontrou nenhuma outra informação sobre os dois retábulos encomendados em Portugal entre os anos de 1700 e 1703. O Dietario diz apenas que, entre os anos de 1747 e 1748, fez-se “um retábulo de talha dourada para o altar da Conceição, onde se colocou uma perfeitíssima imagem que se mandou fazer em Lisboa” (Dietario, p. 84). No mesmo período, fez-se igualmente o altar para a capela de Santo Amaro (Dietario, p. 89), que foi dourado entre 1770 e 1772 (Dietario, p. 123). Entre os anos de 1757 e 1760, cobriu-se “de talha dourada o teto da capela da Conceição” (Dietario, p. 85). No triênio de 1760 a 1763, dourou-se o arco divisório entre as capelas de Nossa Senhora da Conceição e São Lourenço (Dietario, p. 108). Entre os anos de 1766 e 1769, pôs-se no retábulo “da Conceição uma urna [eucarística] de talha dourada para se evitar os frontais” (Dietario, p. 89). A fim de resguardar ainda mais o pão eucarístico, no último lustro da mesma centúria (1795-1800), construiu-se a capela do Santíssimo Sacramento.
A atual imagem de orago da capela de Santa Gertrudes foi encomendada entre os anos de 1795 e 1800 (Códice 24, fl. 85, citado em Rocha, 1991, p. 147). Em data desconhecida, São Brás teve seu báculo roubado e, ao longo do século XX, roubaram-lhe também dois lampadários.
Elementos ou atributos iconográficos nas capelas laterais
Como se pode perceber num simples passar de olhos, a ornamentação da Igreja Abacial de Nossa Senhora do Monserrate é composta por muitos elementos simbólicos. Assim, antes de apresentar os atributos iconográficos particulares de cada orago, faz-se oportuno apresentar alguns outros que se encontram na talha acima das portas laterais.
Sobre o marco da porta adjacente à capela de Nossa Senhora da Conceição, destaca-se um relevo com duas palmas, o sol, a lua e uma estrela. Em conformidade com o livro do Apocalipse (7, 14), a palma simboliza a vitória dos que suportaram tribulações terrenas, lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro. Em primeira instância, as tribulações estão associadas ao martírio. Em seguida, a todos os cristãos que, por intermédio de seu testemunho, deram exemplo do seguimento a Cristo. Por extensão, a palma é ainda símbolo da fidelidade vivida pela consagração monacal, que é uma maneira radical de vivenciar as promessas batismais.
Segundo a literatura bíblica, o Messias é anunciado como sol desde o Antigo Testamento (Ml 4, 2), metáfora que encontra seu ápice nos escritos neotestamentários. Segundo o Evangelho de Lucas (2, 32), o Cristo veio como luz para iluminar Israel e os demais povos. Em linguagem figurada, Maria é apresentada como a ponte que liga o Antigo ao Novo Testamento. Nesse sentido, Maria é simbolicamente representada pela lua que brilha entre as trevas, anunciando que, depois dela, brilhará o sol, figura do Cristo Senhor. Ainda seguindo essa vinculação com os astros luminosos, na ladainha lauretana, Maria é invocada como a estrela matutina, ou seja, a estrela que, ainda envolta em trevas, anuncia o nascer do sol que refulgirá no firmamento com maior vivacidade. Segundo a narrativa do Apocalipse (12, 1), Maria é interpretada como a mulher revestida de sol, com a lua sob os pés e uma coroa de 12 estrelas na cabeça. Já o livro de Daniel (12, 3) apresenta a estrela como símbolo dos santos em geral.
O medalhão afixado acima do marco adjunto à capela de São Brás, igualmente ladeado por duas palmas, está diretamente ligado ao orago dessa capela. Assim, apresenta o báculo e a mitra como insígnias episcopais, neste caso, atributos iconográficos, e a palma como prêmio do martírio sofrido por este bispo da Armênia.
Finalmente, sobre o marco da porta que se encontra diante da capela do Santíssimo Sacramento, há um medalhão que exibe um pelicano alimentando três filhotes. Durante a baixa Idade Média, acreditou-se que essa ave aquática alimentasse seus filhotes com a própria carne, razão pela qual foi vinculada à Paixão de Cristo.
No centro de cada arco que se abre diante das capelas laterais, encontram-se dois anjos ostentando atributos iconográficos dos respectivos oragos. Os mesmos elementos se apresentam igualmente no coroamento de cada retábulo e no frontal de cada altar.
Capela de Nossa Senhora da Conceição
No frontal do altar dedicado a Nossa Senhora da Conceição, encontra-se o monograma mariano AM, envolto por um círculo de anjos e nuvens, e arrematado por uma coroa. A porta do sacrário, por sua vez, exibe elementos simbólicos vinculados à Eucaristia. O centro desse conjunto imagético é o Cordeiro redivivo. Sustentando a bandeira da vitória sobre a morte, o Cordeiro está sentado sobre o livro da vida, do qual jorram os sete sacramentos. Esta mesma composição é utilizada no coroamento retabular da capela do Santíssimo Sacramento.
Paralelamente às colunas salomônicas, encontram-se, em lados opostos, medalhões alusivos à Rosa Mística e a Torre de Davi. Trata-se de duas invocações marianas contidas na ladainha lauretana. A Rosa Mística identifica Maria como aquela que exala o bom odor da caridade cristã. Por vezes, a Rosa Mística é interpretada segundo os vaticínios do Profeta Isaías (11, 1.10), ao anunciar que da raiz de Jessé brotará um rebento que se erguerá como um sinal para todos os povos. A ele acorrerão as nações e a sua morada será gloriosa. Trata-se de uma profecia messiânica pela qual é anunciado o advento de Cristo, que tem no seio de Maria sua primeira morada entre os homens.
Já sob as invocações de Torre de Davi e Torre de Marfim, Maria é invocada como proteção e fortaleza inexpugnável. A coloração esbranquiçada do marfim se vincula à ideia de pureza, pela qual Maria é concebida sem pecado original. Ademais, a utilização do marfim na ornamentação dos palácios reais associa Maria à Morada de Deus.
Capela de São Lourenço
O medalhão no frontal do altar dessa capela apresenta a grelha, utilizada como instrumento de martírio de São Lourenço, e a palma como prêmio da vida eterna, como consta no livro do Apocalipse de São João. Entre as vestes litúrgicas com que esse diácono está representado, salientam-se a dalmática, paramento próprio da ordem desses ministros sagrados, e o manípulo, indumentária indicativa de um ministro em exercício do múnus que lhe é atribuído.
Capela de Santa Gertrudes Magna
Os dois principais atributos iconográficos pelos quais Santa Gertrudes Magna é reconhecida são o coração e o báculo. O primeiro por ter sido ela precursora da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. O coração em chamas representa simultaneamente o coração de Cristo que deseja a salvação do gênero humano e o coração humano que deseja o encontro com Deus. Embora Santa Gertrudes não tenha sido abadessa, o báculo pode representar o poder espiritual que essa monja exerceu sobre seus contemporâneos e continua a exercer por meio de seus escritos.
Capela de São Brás
Os dois principais atributos iconográficos de São Brás são o báculo e a mitra. Insígnias pertinentes ao seu múnus episcopal. Além das vestes litúrgicas utilizadas igualmente por outras ordens de ministros sagrados, São Brás tem as mãos revestidas de luvas que, no passado, também foram consideradas insígnias episcopais.
Capela de Santo Amaro ou São Mauro
Santo Amaro, também conhecido como São Mauro, é considerado o primeiro discípulo de São Bento e invocado como padroeiro dos jardineiros. Juntamente com São Plácido é padroeiro dos noviços beneditinos. Seus dois principais atributos iconográficos são a Regra de São Bento e o báculo abacial. O nome Amaro está relacionado a Amarus, de origem latina e mais pertinente à península itálica como local de seu nascimento. Já Mauro é uma corruptela do francês Maur, considerando-se a tradição de que esse monge teria sido enviado ao pays (CLAVAL, 2012, p. 246) dos francos para fundação de mosteiros.
Capela de Nossa Senhora do Pilar
Nossa Senhora do Pilar, bem como Nossa Senhora de Monserrate, é devoção de origem espanhola e remonta igualmente a meados do primeiro milênio da era cristã. Seu principal atributo iconográfico é o pilar. Contudo sua imagem, por tratar-se da mesma Virgem Maria invocada sob diversos apelativos, traz ainda a coroa e a estrela que a vinculam à descendência davídica. O bastão que Maria porta na mão direita se relaciona à peregrinação a Santiago de Compostela. Por sua vez, o pombo que o menino Jesus traz em sua mão, representa a ligação da mãe e do filho a tradição judaica no que concerne ao rito de purificação no templo (Lv 12, 6). Segundo a tradição, quando o apóstolo Tiago, à margem do rio Ebro, pensava em desistir de pregar o Evangelho em terra hispânica, a Virgem Maria apareceu-lhe sobre um pilar exortando-o a continuar a sua missão.
Capela de São Caetano de Tiene
Os principais atributos iconográficos de São Caetano de Tiene são a cruz e as Sagradas Escrituras. No coroamento do retábulo vê-se um coração flamejante que, considerado em conjunto com os dois outros atributos, pode expressar seu ardor missionário e o ideal de instruir o clero segundo os ditames do Concílio de Trento.
Capela do Santíssimo Sacramento
A capela do Santíssimo Sacramento foi edificada, entre os anos de 1795 e 1800, onde se encontrava a capela dedicada a São Cristóvão. Revestida em talha dourada, sua ornamentação está diretamente relacionada ao culto eucarístico.
Por cima do arco que dá acesso à capela, encontra-se um cacho de uvas, fruto da videira que, transformado em vinho, converte-se no Sangue de Cristo. No teto, dois medalhões raionados ostentam as palavras Tantum ergo sacramentum (Tão sublime sacramento), que são as iniciais de um hino eucarístico medieval.
Ao longo das paredes, encontram-se distribuídos três pares de medalhões, igualmente alusivos a Eucaristia. O um deles, afixado logo a entrada, apresenta uma naveta, palavra que remonta à navis latina, traduzida como nave ou navio, e é o utensílio utilizado para transportar o incenso nas celebrações litúrgicas. No medalhão fronteiriço à naveta encontra-se um turíbulo, no qual se queima o incenso. Um outro par de medalhões, propositadamente maiores que o primeiro, está situado sobre as duas portas laterais, haja vista sua relação mais direta com a Eucaristia, a arca da Aliança e o cibório. Nos textos veterotestamentários, a arca da Aliança assinala a presença de Deus no meio do povo, sendo descrita como uma caixa portátil, feita de madeira de acácia e revestida de ouro por fora e por dentro, na qual se transportava os elementos utilizados por Deus na Aliança feita com o povo hebreu ao sair do Egito: as tábuas da lei, oferecidas a Moisés no monte Sinai, um vaso com uma porção do maná que servira de alimento aos filhos de Israel no deserto e o cajado de Aarão, que transformara as águas do Nilo em Sangue e dividira o Mar Vermelho. Simbolicamente, portanto, as tábuas da lei representam a Palavra divina e o maná como prefiguração da Eucaristia. Fronteiriço à arca da aliança, encontra-se o cibório, recipiente de origem grega utilizado pelos trabalhadores para o transporte de sua refeição diária e adotado pelo culto cristão como utensílio para a conservação da espécie eucarística.
Na parede retabular, entre os dois pares de colunas salomônicas, encontra-se um par de medalhões, um ladeado por Nossa Senhora do Rosário e outro por São Gonçalo do Amarante. O medalhão que está ao lado de Nossa Senhora do Rosário apresenta um pelicano que ergue a patena com a hóstia e, em contraponto, o cálice, simetricamente inserido entre o outro par de colunas.
No alto das laterais do retábulo, dois anjos montam guarda ao tabernáculo. Coroando o mesmo retábulo, o Cordeiro ressuscitado, apoiado sobre o livro da vida com os sete sacramentos, sustenta a bandeira da vitória sobre a morte. No centro do retábulo encontra-se o ponto fulcral da capela: o sacrário ou tabernáculo, local destinado às hóstias consagradas.
Abaixo da cruz que coroa a composição escultórica do sacrário, encontram-se cachos de uvas e espigas de trigo como símbolos eucarísticos. No centro dessa referida composição escultórica, nota-se a porta do sacrário assinalada por um círculo composto de nuvens e anjos. No interior do círculo, destacam-se um coração flamejante e o convite Venite comedite panem meum (Vinde comer do meu pão), que é um versículo do livro dos Provérbios (9, 5) no qual a Sabedoria é apresentada como protótipo de Cristo.
O batistério
O batistério, como o próprio nome indica, é o espaço apropriado para ministrar o batismo, sacramento que representa o banho da regeneração pelo perdão das faltas cometidas. Seguindo a antiga tradição de que o templo é edificado em analogia com o corpo humano, o batistério pode ser interpretado como o peito de Cristo, o qual, traspassado pela lança, jorrou água e sangue como protótipos do batismo e da eucaristia. Ao longo da Idade Média, foi costume edificar o batistério na frente dos templos a fim de indicar que o batismo é a porta de acesso à Igreja e aos demais sacramentos.
Referências
Manuscritas
Dietario do Mosteiro de Nossa S. do Monserrate do Rio de Janeiro da Ordem de São Bento, 1773. Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Manuscrito contendo a compilação de dados entre o final do século XVI e final do século XVIII.
Estados do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Prestação de contas do Governo Abacial.
Impressas
BÍBLIA do peregrino. São Paulo: Paulus, 2002.
CLAVAL, Paul. A paisagem dos geógrafos. In CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (Organizadores). Geografia cultural: uma ontologia – volume 1. Rio de Janeiro: Eduerj, 2012, p. 245-276.
DIAS, Geraldo José Amadeu Coelho. Quando os monges eram uma civilização… Beneditinos: espírito, alma e corpo. Porto: Citcem/Afrontamento, 2011.
FRAGOSO, Mauro Maia. História, iconografia e semiologia da Igreja Abacial de Nossa Senhora do Monserrate do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, COLETÂNEA, Rio de Janeiro, Ano XV, Fascículo 29, p. 179-212 Jan./Jun. 2016.
HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário de símbolos: imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994.
LAPLANA, Josep de. Nigra sum: iconografia de Santa Maria de Montserrat. Barcelona: L’Abadía de Montserrat, 1995.
REGRA de São Bento, A. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 2003.
ROCHA, Mateus Ramalho. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro 1590–1990. Rio de Janeiro: Studio HMF, 1991.
RUCQUI, Adeline. História medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995.
SILVA-NIGRA, Clemente. Construtores e artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Salvador: Beneditina, 1950.
THESAURUS: vocabulário de objetos do culto católico. Vila Viçosa: Universidade Católica Portuguesa, 2004.