(Composição e edição do texto de Julia Lamoglia Silas Pinna)
Historiadores narram que a primeira Redução de Santa Ana foi fundada pelos padres Pedro Romero e Cristóbal de Mendoza, em 1633, estava localizada na região do Tape no Rio Grande do Sul, Brasil. Em 1637, devido às guerras com os bandeirantes, a comunidade retirou-se e se estabeleceu no sítio onde se encontra atualmente, na cidade de Santa Ana, no ano de 1660.
Seu estado de conservação pode ser atribuído à sua localização, em um sítio cercado de mata, o que sempre dificultou o acesso. Infelizmente não recebeu atenções de conservação e restauro em suas ruínas, como a Missão San Ignácio Mini mereceu. Mesmo assim, é possível observar a disposição das casas dos índios em torno da Praça Central ou “Plaza Mayor” (espaço usado para realizar cerimonias), as ruínas de uma das capelas, oficinas, galerias, um colégio, cemitério, hortas, o cotiguazu (compreendido pelas habitações das mulheres viúvas, órfãs e idosas) e também da Igreja, que era o centro das atenções em qualquer das Missões. A Igreja de Santa Ana media 22,90 metros de largura e 64 metros de comprimento, cuja arquitetura é localmente lembrada por tradição oral, chamada barroco missioneiro.
Imagem aérea, obtida em agosto de 2020, através do Google Earth, registrando a dizimada Missão de Santa Ana. Uma clareira ao meio, onde ficava a “Plaza Mayor“, cercada de muita mata nativa.
(O desenho esquemático acima, foi realizado conforme a sinalização local)
A convidativa entrada da “Misión Jesuítica Guarani de Santa Ana” descortina aos visitantes logo na chegada um pequeno museu, com amostras arqueológicas, tais como peças de ferro, balas de canhão, cerâmicas, campas indígenas, etc. Também há algum apoio ao visitante. Ali também se encontram artefatos utilizados na época pelos habitantes da Missão, fotografias e textos explicativos sobre esse período.
Juntamente com a Missão San Ignácio Mini, este conjunto foi declarado patrimônio mundial da UNESCO em 1984.
A maquete demonstra que o partido geral missioneiro também estava observado em Santa Ana. Infelizmente, daquela redução a que a maquete faz referência, muito pouco nos é mostrado face ao estado de ruína em que se encontra o sítio histórico.
Da Estereotomia que provavelmente existiu por lá, muito pouco resta para nos contar o quanto intensa, forte, aniquiladora e maléfica, foi a retirada das pedras pelos fazendeiros e estancieiros argentinos (tanto quanto o foi no Brasil, Paraguai e Uruguai). As pocilgas, currais e outras aplicações estancieiras foram o destino de milhões de pedras, levadas de todas as doutrinas em qualquer parte do país Guarani.
Podemos afirmar, sem medo de errar, que Santa Ana hoje quase só possui Estereotomia rasteira: várias escadas, tratadas com muito requinte; Algumas paredes escoradas, teimosamente se mantém de pé; mas são poucas. Santa Ana assume realmente a condição precária de autêntica ruína, estereotomicamente falando. Deve ter um imenso valor arqueológico, talvez seja o centro de um orgulho regional ou expresse valores culturais por demais enraizados, mas em termos de Estereotomia, infelizmente, deixaram-na aos porcos, literalmente.
O vegetal da segunda foto abaixo é o Guaimbé. Dele se extraem as fibras para as teceduras tramadas de cordas e congêneres.
O que resta do paramento reto (Referência Teórica 1, item 1) na primeira foto abaixo, mostra não só o entalhe oco para encaixe de telheiros e cumeeiras, mas também demonstra que embora o entalhe das pedras não fosse homogêneo (como por exemplo se nota em “Jesús de Tavarengue“), se buscou entremear as juntas, para obter a estabilidade do conjunto. Aqui, a irregularidade dos blocos fatalmente pode ter colaborado na derrocada dos sistemas.
-“En Santa Ana, mire el piso; puedes tropezar con una roca, pisar una serpiente o caer en una escalera…” Essa foi instrução dada por um senhor local; mas o que este personagem não falou é que Santa Ana reservava uma maravilha a ser visitada, maravilha esta que resistiu aos porcos, não virou chiqueiro: o banho dos padres. A água pluvial, coletada corre por gravidade para uma piscina de aproximadamente de 5,0m X 5,0m, através de uma calha muito bem engendrada e rejuntada, vencendo muitos metros até chegar ao local do reservatório.
Segundo a placa situada no acesso principal, o local é cortado por dois arroios, que na seca, fatalmente deveriam suprir este reservatório. Pela foto do satélite acima, apesar da mata fechada, não se nota mais vestígios de tais riachos.
Outro detalhe que salta aos olhos, sempre olhando para o chão em Santa Ana, são os degraus circulares, talhados com raríssimo apuro. Sua Estereotomia é muito apurada e o assentamento horizontal perfeito.
Em sentido transversal ao que outrora foi a nave da Igreja de Santa Ana, corriam seis degraus, também assentados com sabedoria. Um degrau de arranque corria afastado cerca de 3,0m da escada propriamente dita.
A “Misión Jesuítica de Santa Ana” é um grito de alerta. Em alguns locais a natureza engoliu literalmente a pedra, como se vê na primeira foto abaixo; o tempo se incumbiu de dar essa licença, já que o inculto ser humano preferiu cuidar de exclusivamente de si e assim dilapidando o patrimônio, dar destino a outros fins, nada nobres!
Estejamos pois atentos aos tantos outros gritos, não só em socorro da Estereotomia, mas principalmente aqueles que ecoam surdamente, em todas as áreas da cultura.
Santa Ana é um aviso!