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Textos: Prof. Dalton A. Raphael
Revisão de textos: Laís dos Santos Jasmim e Prof. William S. M Bittar.
(Foto original de Gilberto V. Machado-não encontrado-adquirida na FSCruz)
O livro “Quatro séculos de Arquitetura”, obra do Prof. Paulo Santos, em edição publicada em 1977, pela Fundação Educacional Rosemar Pimentel, de Barra do Piraí, traz em sua capa um mapa, uma preciosa, rudimentar e ilustrativa perspectiva aérea da entrada da barra, na qual se pode ver uma das muitas representações que a Fortaleza vem recebendo através da história.
João Teixeira Albernaz, notável cartógrafo português do século XVII, narrou sobre a Cidade de São Sebastião no “Livro que dá Razão do Estado do Brasil”, de 1626. Em um de seus mapas, registra-se a Fortaleza de Santa Cruz:
Este mapa que, vale realçar, nos dá notícia da fortaleza, diz em seu petipé: Rio de Janeiro – Este porto do Rio de janeiro é o melhor de todo o estado do Brasil, assim por ser mais defensável como por ser abundantíssimo de mantimentos e madeiras e tudo o mais que é necessário para (…) de muitas naus, sem haver nada de Europa é ele capaz de muitas e grandes embarcações.
O texto sobre a Fortaleza de Santa Cruz narra: Fortaleza nova, melhor que há em todo o estado do Brasil, mas mal provida de artilharia, por não ter mais de 11 peças de bronze e 9 de ferro.
O famoso mapa que narra da entrada do Francês DuGais Trouin com as naus enfileiradas mostra a Fortaleza de Santa Cruz ostentando dois bastiões, à maneira de Vauban. Todavia, sem maiores buscas nos arquivos do Exército Brasileiro, não se pode afirmar que realmente tais peças de artilharia tenham existido.
Junto ao Pão de Açúcar no mapa, o local da primitiva cidade ou “cidade velha”. O mapa completo (em detalhe) já aponta a cidade de São Sebastião, próxima à futura Praça XV em que hoje é a Praça XV; aponta também São Bento, no local do Mosteiro, junto à Prainha e outros pormenores.
(imagens acima obtidas pelo Google Earth e a imagem abaixo, domínio público)
Para verificar suas transformações, segue abaixo a planta de situação da Fortaleza de 1763 (onde diversas edificações já aparecem, como a Capela e a Cisterna) e uma imagem aérea do local, obtida pelo Google Earth, em julho de 2020.
Após desfrutar as paisagens de Jurujuba e da Estrada Gen. Eurico Gaspar Dutra, a chegada à Fortaleza de Santa Cruz (na entrada da Baía de Guanabara) é sempre um espetáculo que faz bem à alma, em função da beleza do cenário que apresenta; o Pão de Açúcar observado de ângulo oposto ao que se costuma descortinar da cidade do Rio de Janeiro, ou seja, a sua face voltada para o Leste.
Em prol de manter uma didática na apresentação, é mister que se translade para este sítio, a cronologia dos eventos marcantes que marcaram a história da Fortaleza, com as quais o visitante de depara ao entrar:
Síntese Histórica |
1555 – Dois Canhões / Villegaignon |
1567 – Bateria Nossa Senhora da Guia |
1599 – Atuação contra o corsário Oliver Van Noort |
1632 – Fortaleza de Santa Cruz da Barra |
1710 – Atuação contra a esquadra de Charles Duclerc |
1863 / 70 – Obras de ampliação |
1874 – 1° Batalhão da Artilharia a pé |
1910 – 1° Batalhão da Artilharia de posição |
1917 – 1° Grupo de Artilharia de costa |
1944 – AD/1 entrou em combate na 2ª Guerra Mundial |
1955 – Último disparo |
1967 – Presídio do Exército |
1981 – Denominação Histórica: “Artilharia Divisionária Cordeiro de Farias” |
1982 – 8° Grupo de Artilharia de costa motorizado |
1987 – CMDO 1ª Brigada de Artilharia de costa e antiaérea |
1989 – CMDO 1ª Brigada de Artilharia antiaérea |
1994 – 8° Grupo de Artilharia de costa motorizado |
2006 – Comando da Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Exército, transferido para a Fortaleza de Santa Cruz da Barra |
Registre-se que este sítio não trata de aspectos turísticos como tema principal, mas sobre Estereotomia e em Estereotomia, não se conhece exemplo melhor do que a FORTALEZA DE SANTA CRUZ, em nosso país. O Brasil conta neste magnífico exemplo, o que a arte e o engenho puderam (em empenho máximo) produzir quando o assunto é Arquitetura Oficial, em termos de fortificações.
São três pavimentos em pedras, fina e criteriosamente esculpidas, fincados na rocha, edificados sobre um cabo que avança pela entrada da barra da Baía de Guanabara. Não há concreto. Não há ferro (exceto nos canhões). É pedra. Pedra sobre pedra. Pedra lavrada, sobre pedra lavrada.
Engenhosamente nesses gigantescos três andares, galerias de pedra nos transportam sem que possamos sentir e se entrecruzam em uma mistura espacial inusitada de abóbadas de berço que se interferem e se sustentam… de abóbadas de arestas incomuns e únicas, que nos abraçam e nos dizem: “usa este espaço; ele é seu!”
Do piso inferior, lá em baixo, até o terceiro nível, no qual se localiza o passadiço superior (de onde se descortina o perfil da Cidade Maravilhosa – do Pão de Açúcar ao Centro da cidade), tudo é “granito de gnaisse” lavrado. Um raro espetáculo!
1- Capela de Santa Bárbara
A pequena igreja foi concluída em 1612. Construída diretamente sobre a rocha, na face sul da fortaleza, mas voltada para o oeste, destaca-se no platô da bateria de Nossa Senhora da Guia. Reconstruída em 1912, pelo comandante Cel. Inocêncio F. Oliveira, que além da igreja, proveu a Fortaleza de luz elétrica. A capela foi recentemente restaurada e a imagem de Santa Bárbara (em madeira) foi reencarnada, com uma repintura. Esta imagem está cercada de lendas, assunto de outras discussões, mas não se pode deixar de frisar o interessante óculo situado à esquerda da Santa, no lado da Epístola, de onde o capelão poderia vigiar a entrada da baía enquanto rezasse a missa (última foto abaixo). Também são dignos de registro, a pia batismal e a bacia de água benta, ambos executados em linguagem plástica bastante sóbria.
2- Plataforma do Mastro
Um dos tratos Estereotômicos muito significativos da Fortaleza de Santa Cruz é a plataforma que foi construída na face sul, suporte do mastro para o pavilhão nacional, talhado em uma única árvore de Pau-Brasil e depois pintado em listras em verde e amarelo (hoje azul). A plataforma foi projetada, decupada e lavrada de maneira a conferir solidez e estabilidade ao mastro e é composta de uma escada de desenho particular, um lance de hasteamento e seu guarda-corpo.
De maneira a facilitar a circulação por um lado e para facilitar o escoamento da água por outro, as laterais dessa plataforma foram arredondados e este pormenor, inclusive confere maior leveza plástica ao contexto formal do suporte. Não se pode deixar de reparar nos desenhos atribuídos aos degraus que diferem entre si, mas que compõe o todo harmonioso, bem como aos “gatos” (também denominados Minhotos”, quando de madeira – ver glossário) que evitam quaisquer movimentações indevidas, auxiliando na estabilidade.
3- O Passadiço
No passadiço perimetral superior externo, é necessário que se tenha a consciência de que sob os pés estão inúmeras abóbadas e arcadas, umas sobre as outras, compondo este terraço plano, pelo qual se pode circular nesta parte da fortaleza, indo de sua face sul até a sua face norte. Tais abóbadas sustentam, além do tráfego normal, pesadíssimos canhões em todos os níveis.
Na última foto das três que antecedem, pode-se notar no passadiço perimetral externo uma ameia e seu canhão; além deste, também se nota, em primeiro plano o grande terraço ou açoteia. Esta açoteia é a área superior de uma prumada (Glossário) que no piso abaixo (o piso intermediário) possui dois salões em abóbada de berço e no primeiro piso, mais um salão, igualmente abobadado.
Esta foto (acima), apesar de apresentar baixa resolução, evidencia o passadiço perimetral superior externo e a açoteia citada, em vista aérea e também demonstra os andares abaixo, aliás a parte mais concentrada em Estereotomia da Fortaleza de Santa Cruz.
4- O Terraço e os Salões abobadados
A próxima sequência de fotos apresenta tanto a área externa (com o eirado), quanto algumas imagens da parte interna, onde dois salões transversais são encimados por abóbadas de berço que sustentam o terraço. São belas abóbadas, eximiamente executados pelo Mestre D. J. Mattos, sob traça do Major B. R. Gamboa, que aliás são citados na placa alusiva à inauguração desta obra em 1875.
Segundo Miguel Angelo Ribeiro, em artigo sobre turismo publicado na Revista GEOgrafia nº 16, “A Bateria 2 de Dezembro, localizada no segundo nível, foi construída em 1875, no reinado de D. Pedro II. Esta Bateria é edificada quando foi construído o quartel sob a direção da Comissão de Melhoramento Material do Exército, idealizada pelo Major B.R. Gamboa, nela estando localizada o Paiol principal, abrigando 20 Casamatas, com respectivos canhões, enquanto a Bateria 25 de Março teve sua construção iniciada em 1863, com 20 casamatas (…)”.
As portas de acesso aos paióis, nos dois pisos estão fixadas em vãos construídos em arcos plenos, também abobadados em função da espessura das paredes e que geram em suas interseções com as grandes abóbadas principais, arestas executadas com extrema maestria (sendo esta a solução de um problema de interseção de superfícies analisado detidamente na Geometria Descritiva); de tão perfeitas, parecem cortadas pelos multifios diamantados, instrumentos de cortes das pedras utilizados hoje em dia (apesar de que estes, não cortam em curva).
Uma das maiores habilidades em Estereotomia é fazer e montar o recorte dos cantos (palavra da qual parecem derivar cantaria, canteiro) em pedra. A segunda e a terceira fotos seguintes também evidenciam a aplicação do sistema de cantos em ramal (abordados na Referência Teórica 1). Coroando aos salões abobadados, uma cimalha real dá maior sustentação para o guarda-corpo, aqui um prolongamento vertical das paredes.
Nos salões abobadados do piso intermediário, os vãos de intercomunicação com o vizinho segundo salão (o posterior), são dignos de muita atenção. Em função da espessura das paredes de pedra, os vãos se transformam em pequenas abobadilhas que apresentam dupla curvatura pelos lados das superfícies dos salões paralelos, onde os arcos apresentam o sistema “monta-cavalo” (Referência Teórica 3), só que aqui, curvilíneos; a dupla curvatura também se faz presente, como solução no vão principal que ostenta esta dificílima execução (última foto acima).
O mesmo ocorre com os óculos cônicos que, observados de fora são elípticos, porém de dimensões diminutas; já quando os examinamos pelo interior do paiol, além de nos revelarem a espessura das paredes de pedra (naquela altura), os óculos elípticos são de dimensões bem maiores, cônicos portanto; esses óculos são primorosas e inigualáveis soluções que, sem dúvidas, buscaram aerar e iluminar ao interior até a chegada da luz elétrica, no início do século XX.
No andar mais abaixo, um outro paiol também ostenta uma abóbada de berço em arco pleno, esta de grande mérito Estereotômico. Afinal, sobre ela repousa a carga das pedras que constituem os dois salões acima e também a açoteia, no passadiço superior. O salão é menor, mas sua abóbada, importantíssima!
5- Outras abóbadas de berço
O aspecto semelhante aos arcos aviajados (Referência Teórica 2, item 7) nestas abóbadas de berço cilíndricas decorre de dois fatores simultâneos:
a- são geradas pelo declive do paramento (ou empena) onde se situam (esses paramentos não são perpendiculares ao chão).
b- Simultaneamente, o plano que secciona a superfície cilíndrica circular, gerando a esses arcos, está enviesado.
Equivaleria a um problema corriqueiro da Geometria Descritiva: a interseção de um cilindro com um plano qualquer, não projetante.
Intencionalmente colocada, a última foto acima visa demonstrar na prática a aplicação do “chanfro”, citado na Referência Teórica, item 6.
As próximas cinco fotos são de uma abóbada de berço particularíssima. O olhar aguçado do observador, deve perceber que as imensas pedras que constituem a superfície cilíndrica vão, paulatinamente diminuindo de tamanho, conforme percorrem a abóbada cilíndrica da esquerda para a direita do observador. A razão deste “serrilhado” é que, a medida que a escada desce, diminui a carga exercida pelos degraus, possibilitando que se oriente uma economia do material.
Outra engenhosa particularidade desse “túnel” é que, se por um lado (digamos, por uma de suas bocas), o acesso adquiriu uma semelhança a um arco aviajado (motivo exposto acima), em sua longitudinalidade o cilindro abobadal “se transforma” e sua diretriz deixa de ser circular e passa a ser em arco abatido (Referência Teórica 2, item 6); assim, sua outra “boca” é em arco abatido, tornando essa circulação, única. Sendo o piso em aclive, a saída em arco pleno provocaria um estreitamento acima, “passaria muito alta” o que levaria a uma diminuição de seção desta parte superior que sustenta o piso superior. Isso fragilizaria o “pedrame” acima deste arco, que passaria a ser uma “casquinha” extremamente débil e pouco estável.
A passagem que ocorre no interior da galeria abobadada (de cilindro de diretriz circular para cilindro em diretriz abatida) é realmente uma construção única; a galeria não apresenta franzidos ou rupturas, sendo ininterrupta e sutil. Uma construção única!
Outras abóbadas de berço foram magistralmente construídas nessa fortaleza, algumas inclusive com a galeria em curva, como se denota nas fotos abaixo, que falam por si, dispensando explicações maiores; todavia, sempre é interessante lembrar dois pormenores:
a- o requinte e a limpeza da execução, toda em pedra;
b- o fato inusitado da presença de curva e aclive interiores às abóbadas, como se mostra abaixo.
6- Os arco botantes/passarelas/arrimos
Em toda a Fortaleza de Santa Cruz, há três possantes arcos de botaréu, assumindo tríplice função:
a- São arcos botantes que amparam os muros altos das casamatas.
b- São passarelas, que unem as casamatas ao restante da fortificação.
c- Auxiliam no arrimo dos paramentos inclinados.
Em verdade, tendo suas dimensões determinadas pela movimentação de tropas pelas passarelas, o intradorso transformou-se em uma abobadilha elíptica, apresentando um quarto de elipse que nasce direto no nível do chão, cuja dimensão ultrapassa quatro metros de largura.
Em função da transparência que proporciona, dos três arcos botantes, o central (ou sudoeste) é certamente o mais admirado (foto acima). Dois dos três botantes, o arco sul e o arco sudoeste anteparam inclusive as lindas escadarias pétreas. Já o botante norte é encostado no matacão, um imenso bloco escavado, local em que a tradição atribui como insalubre de cela prisão no passado (segunda foto acima).
Sob o arco botante sul, que é afastado do paramento lateralmente, portanto afastado do muro transverso, contam que ocorriam os fuzilamentos no passado. Realmente a parede ao fundo é crivada de balas. Sob os aspectos da Estereotomia, especial mesmo é, naquele local – sob aquela linda abóbada, sentir a volumetria proporcionada pela curvatura de diretriz elíptica.
7- As casamatas – à Haxo, onde o espetáculo estereotômico acontece
Constituídas de uma abóbada de berço cilíndrica circular e uma abobadilha cônica, somam nos dois pisos, quarenta e uma casamatas. Diz o site http://www.fortalezas.org: “No início do século XIX o general e engenheiro militar francês François Nicolas Benoît, barão Haxo (1774-1838), projetou uma casamata autónoma que podia ser construída no topo de uma muralha. É denominada de casamata à Haxo”.
Ao observar qualquer das duas baterias (piso intermediário ou inferior), nota-se que as abóbadas de berço repousam sobre arcadas laterais, em um piso rebaixados e em outro de arcos plenos.
Algumas casamatas têm miras, de ambos os lados do vão quadrado, cuja Estereotomia é particularíssima, como se pode verificar nos realces da terceira e na quarta das fotos seguintes; um soldado à esquerda e outro à direita do canhão, avisavam quando viam simultaneamente ao inimigo, completando o processo de triangulação, para que se efetuasse o disparo.
Observação: A equipe da Pesquisa e o Orientador desculpam-se pela qualidade das fotos das Casamatas devido à intensa luz inversa, frontal. Em breve, pretende-se obter novas imagens, buscando aprimorar sua qualidade.
Galeria de arcos rebaixados, que sustentam, cada um deles as abobadas de berço e cônicas das casamatas. O sistema de apoio é o pentagonal monta cavalo (Referência Teórica 3, item 2). O conjunto impressiona pela igualdade, semelhança, conformidade, o aspecto e a aparência, enfim. A dificílima Estereotomia adequa abóbadas cilíndricas e cônicas à curvatura do local no qual estão implantadas, como se nota na foto seguinte.
Na galeria em arcos plenos, o sistema pentagonal monta-cavalo (Referência teórica 3, item 2) fica ainda mais perceptível; há que se evidenciar que nesse sistema, o ajuste estereotômico entre as pedras tem de ser absoluto, perfeito. A menor discrepância poderia gerar uma fissura angular e com esta, o colapso de todo o conjunto.
As fotos abaixo ilustram mais uma espetacular solução geométrico-estereotômica para uma angulação conjugada ou explementar. O ângulo agudo de um lado da galeria se transforma em ângulo Obtuso de outro lado da galeria, somando então 360º.
Em termos de Estereotomia é uma solução muito difícil e que exige demais, tanto do planejador, quanto da mão de obra, uma vez que é uma solução espacial.
7.1- Abóbadas de Aresta Tripartites
A Fortaleza de Santa Cruz impressiona o leigo e deveria ser incluída como aula externa obrigatória a todos estudiosos da Arquitetura no Brasil. Nesta fortificação, que está ao alcance de todos, se localizam, se não as maiores, duas das maiores preciosidades, dentre as joias da Arquitetura em nosso país. Como diriam os franceses, as duas se destacam como “la crème de la crème“: duas abóbadas de aresta extremamente incomuns.
Abóbadas de aresta (Referência Teórica 4, item 2) são geradas pela interseção, geralmente em ângulo reto, de dois cilindros circulares (que podem inclusive formar entre si, ângulos diferentes do reto). As jóias únicas, situadas naquele umbral da Baía da Guanabara, são duas abóbadas de arestas tripartites. Ou seja, cada uma em seu piso, uma sobre a outra, com arestas formadas pela interseção de três berços; ou em linguagem menos formal, três braços.
O primeiro e de maior luz, é formado pelo acesso contíguo à passarela, no piso intermediário, em arco abatido. Os outros dois são formados pelas casamatas, que aqui não se avizinham paralelamente, mas que fazem entre si, um ângulo agudo.
A foto abaixo, nos mostra ao fundo as duas casamatas e suas abóbadas; em primeiro plano o arco abatido reverso. Este arco está situado no piso intermediário. Processos gráficos contemporâneos estabelecidos pela pesquisadora Gabriela Vieira F. Lopes nos informam que o ângulo formado pelos eixos de simetria das duas casamatas é de 60º.
Já na foto seguinte, a trí-arestada abóbada no piso inferior e em destaque, mais uma vez, um outro arco abatido reverso. Fica inclusive difícil narrar e escrever sobre este local. Cabe então uma pergunta: o que seria mais impactante, significante ou ainda, o que mais demonstra as habilidades, tanto projetual quanto de execução: o arco reverso ou a abóbada de arestas?
A ampliação de imagem obtida através do Google Maps, fornece a localização exata das abóbadas trípartites; Além disso, sugere o volume e carga em pedras que elas suportam.
Louis Monduit, em seu “Traité Theorique et Pratique de Stéréotomie”, trata de maneira brilhante as diversas abóbadas de aresta, inclusive a pentagonal-equilátera (abaixo), cujas arestas formam um pentágono estrelado.
Todavia, salvo melhor juízo, desconhece-se ao menos um tratado de Estereotomia que decupe e projete um sistema de duas abóbadas tripartites superpostas (uma em cada piso), ambas portadoras de três berços, dois deles cilíndricos e um deles abatido. Este último arrematados por arco reverso em ambos os pisos em um sistema absolutamente estável, coeso e íntegro.
Nos pisos, sob os superiores fechamentos dos triângulos esféricos da abóbada de arestas, pode-se encontrar a pedra de arremate triangular, aproximadamente equilátera. Essas pedras podem também, com alguma probabilidade, dependendo da decupagem que se utilizou, ser a pedra chave do conjunto local.
As abóbadas de aresta de cada um dos pisos têm configurações estereotômicas diferentes.
Difícil de serem fotografadas, pelas condições locais muitas vezes invadidas pelas ondas na maré alta, as casamatas do piso inferior, pela proximidade da abóbada que sustenta a passarela gera uma volumetria absolutamente inusitada que remete a um curto comentário: simplesmente genial!
A animação seguinte, busca demonstrar e ilustrar o “modus faciendi” empregado neste local.
Analisando a foto que documenta frontalmente ao arco reverso, pode-se entender que, nos dois pisos, os arcos nascem pertencendo a um plano de paredes e terminam pertencendo a outro plano, acompanhando a concordância (Referência Teórica 1, item 7) entre estes paramentos. Os arcos abatidos são notados no interior, embora a unidade dos arcos plenos esteja preservada no exterior. Outra excelência existente.
Seguem-se fotos diversas, de ângulos interessantes da Fortaleza de Santa Cruz da Barra. São importantes documentos para compreensão toda essa volumetria edificada em pedras. A cada ponto de observação, uma nova e arrebatadora perspectiva.
Como estratégia defensiva, cruzando fogos com a Fortaleza de Santa Cruz, do outro lado da entrada da barra da Baía da Guanabara, os muros da Fortaleza de São João, no bairro da Urca, no sopé do Pão de Açúcar.
Não são só blocos retilíneos de pedra que integram a construção da Fortaleza:
A cisterna, obra de 1738 é ilustrada a seguir.
Diante da cisterna, localizam-se as abobadadas “prisões no passado”. Conta a tradição que, conforme o delito, o condenado poderia rastejar, ficar agachado ou em pé.
Quando esteve desmontada, a comua permitiu que se observasse o sistema, que diferia das outras fortificações citadas. Os excrementos caíam diretamente na pedra e eram levados pelas ondas do mar (desenho esquemático anexo).
Muito embora não se tenha aprofundado a abordagem sobre o passadiço superior, é da maior relevância registrar os acabamentos estereotômicos em pedra, que possibilitavam o pivotamento dos canhões, funcionando com amplitude de cerca de 150º (calculo nosso).
Assim é a Fortaleza de Santa Cruz da Barra. Em cada pedra, um entendimento; em cada entendimento, um amor declarado, uma admiração… Muita história!
Que obra, o Major Gamboa projetou e o Mestre Marques executou!
A Equipe da Pesquisa em Estereotomia, vem a publico agradecer, ao Exército Brasileiro, na pessoa do Gen. Amauri Pereira Leite, à acolhida que recebeu no dia 08 de julho de 2022, quando o Grupo de Pesquisas (atual) e auxiliares puderam passar uma manhã agradabilíssima, não só mergulhando fundo na mais rica Estereotomia do Hemisfério Sul, conhecendo e literalmente pisando nas pedras que constroem a história do Brasil.