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Texto e fotos de autoria do Prof. Dr. Dalton A. Raphael – Colaboração Antônio Fabiano Maia.
Conta Capistrano de Abreu que o outeiro é o local onde se encontrava a Fortaleza de Biraoaçumirim. A colina, também conhecida como do Leripe, foi conquistada pelos portugueses em 20 de janeiro de 1567, dia de São Sebastião. O outeiro passou a se denominar “da Glória” quando, em 1608, um certo Ayres iniciou a devoção à Senhora em uma gruta existente no morro. Tal devoção se firmou em 1671, quando o franciscano que possuía o hábito dos terceiros, Antônio Caminha “Gloriano”, edificou uma pequena capela.
Frei Agostinho de Santa Maria relata no 10º vol. de seu Santuário Mariano, impresso em 1724: “Antônio Caminha…ainda neste anno de 1714 assiste a Senhora, & a serve, & deu princípio à fundação em 1671”.
Antônio Caminha era natural do Aveiro e …”vivia apartado da Cidade, sem ambição d’ouro, cuidava de servir à Deos, & andava vestido em hu habito de Terceiro de São Frãcisco,& nelle fazia a vida penitête e eremitica”…
A escritura relata que em 1699 existia uma IRMANDADE criada para cultuar à Senhora. Esta confraria teria então em 1714…”quantidade de dinheyro para dar princípio a hua nova, & grande Igreja de pedra,& cal; porque a primeyra, que se Lhe fez foy de madeyra , & de barro”. A Irmandade foi canonicamente constituída em 1739, quando o bispo D. Frei Antônio de Guadalupe deu a licença e o consentimento. O compromisso da Irmandade foi então redigido. Neste termo, as referências são à Igreja, não a Capela.
Segundo o historiador Moreira de Azevedo (1861), o arquiteto da Igreja da Glória teria sido o Tenente Coronel José Cardoso Ramalho (também autor do projeto da demolida São Pedro dos Clérigos). Tal notícia teria sido obtida mediante um relato oral de muito crédito. A probabilidade é grande, uma vez que Ramalho…“The o posto de ajudante arquiteto das fortificaçoens, fazendo sempre suas obrigaçoens, embarcandose por várias vezes assim a ilha terceira como a comboyar frotas do Brazil”.
A Igreja de N. Sra. da Glória, edificada a partir de 1714, é a única de partido poligonal no Rio de Janeiro. A sua poligonalidade a aproxima dos monumentos da Arquitetura Barroca, conferindo-lhe um dinamismo que a torna única no Rio de Janeiro. Já em relação à ornamentação, o monumento recebeu tratamento Rococó com alguns detalhes classicizantes. A utilização de abóbadas (de berço, de berço esconsas e de arestas), consideradas pelo Prof. Augusto Carlos Silva Telles como elementos arcaizantes, certamente denotam antes, o uso de técnica de estereotomia apuradíssima.
Pela ordem, acima: Gloria,São Pedro dos Clérigos e N.S. Rosário de O.P. Desenho do Prof. Paulo Santos.
Comparada às Igrejas “borromínicas” brasileiras, sendo as três São Pedros dos Clérigos – Rio, Recife e Mariana – as São Franciscos de Ouro Preto e São João del Rey e a Rosário de O. P., a Igreja de N. Sra. da Glória do Outeiro antecede a todas.
Em uma referência simplificada, pode-se dizer que a planta da Igreja é constituída por dois octógonos irregulares interligados e alongados. Essas duas bases octogonais são antecedidas pela torre do campanário, cuja base também desempenha função de pórtico.
Engastadas na cimalha real, se encontram as bombardas que auxiliavam ao escoamento das águas pluviais.
A poligonalidade da nave-única aufere à ermida grandiosidade, pluralismo e muita movimentação, além da teatralidade sempre presente na temática da arquitetura barroca.
O arco do cruzeiro ao ser visto em momentos e de dois pontos de vista diferentes:
*Nas duas primeiras fotos, o arco do cruzeiro é visto “por baixo” das pedras que, encaixadas uma a uma, constituem a arquitetura; *Na terceira foto, há outro ponto de vista, por cima das tais pedras.
Destaca-se no arco do cruzeiro, acima da pedra chave, o Brasão Imperial. Abaixo o magnífico exemplar da pedra chave do arco cruzeiro.
Vários pontos de vista Estereotômicos da espetacular pedra imposta do arco do cruzeiro.
Uma abóbada de berço central, assentada em arcos abatidos, é ladeada por duas abóbadas cônicas alteadas, emolduradas e definidas por arcos alteados de pedra e pela cimalha real superior.
Nesta vista, desde o arco do cruzeiro até o pórtico principal, pode-se notar que a Igreja possui dupla ordem de cimalhas internas, às quais maneira muito peculiar, não correspondem à cimalha externa, uma vez que esta se situa acima das abóbadas que cobrem a nave. O acesso central é ladeado por duas abobadilhas esconsas, de perfeita simetria, que também funcionam como acessos.
Encaixado entre as duas cimalhas e instalado internamente ao campanário, se situa o coro, aumentado em madeira, cujo balanço ostenta linda talha. A respeito deste coro há uma curiosidade impar: o nível de seu piso diferente do nível em que chega a escada interna de acesso ao púlpito, ao coro e à açoteia. O desnível é grande e causa transtorno aos músicos e cantores que se utilizam daquele ambiente.
Detalhe do acesso ao coro (cujo desnível causa transtorno), sob a pétrea escada circular de estereotomia apuradíssima.
O coro é um ambiente garantido por uma abóboda de arestas, estabilizada dentro do campanário; todavia, antes de chegar à açoteia que fica no último piso, sobre o coro há uma alcova também abobadada em andar intermediário entre o coro e a açoteia (ver esquema estereotômico em animação), que funciona como depósito sem maiores atrativos.
Ainda no coro, é possível vislumbrar a primeira cimalha mais próxima do chão da nave e verificar o requinte e o esmero de sua execução. As tribunas, às quais também se vê nesta foto, têm acesso pela sacristia da Igreja. É grande o apuro construtivo destas tribunas, uma vez que todas se direcionam para o altar mor e estão voltadas para o nascer do Sol; nenhuma delas é perpendicular à parede interna na qual se situa. São esconsas, a exemplo dos acessos laterais da nave. Tal solução facilitou a iluminação do altar mor em uma época em que não existia a luz elétrica.
O acesso à açoteia, que é feito através de lindíssima escada circular, é coroado por um baluarte coberto por pequena cúpula de meia laranja à maneira dos Fortes e das Fortalezas. É uma brilhante ideia para a função a que se destinava.
Na açoteia, encontram-se coruchéus de mais de 3,0m de altura que acompanham a angulação do prédio. Estes coruchéus são iguais aos pares em relação ao eixo longitudinal da Igreja, em simetria. Porém, quando observados a grande distância por um leigo, este os vê todos iguais, não conseguindo encontrar dessemelhança. Mas não são semelhantes, exatamente para parecerem semelhantes! Acompanhando a angulação da arquitetura poligonal, os coruchéus compõem visualmente no local onde se situam e não discrepam, formalmente falando. Esses coruchéus tem dupla função: de um lado, possuem função estrutural e comprimem o pilar de pedras logo abaixo; de outro lado, esteticamente, ao irem diminuindo de tamanho, “diluem” a força plástica dos pesados contrafortes verticais que emergem na fachada (ver foto abaixo).
O que se pretendeu mostrar é que a poligonalidade da nave determina diferentes formas, tanto para os contrafortes, quanto para os coruchéus.
Na aproximação forçada nas duas fotos abaixo, tiradas na mesma lateral da Igreja pode-se notar esta genialidade do arquiteto; muitas vezes o olho destreinado não consegue perceber esta sutileza.
Ainda no terraço superior, pode-se vislumbrar a bela cúpula que arremata o campanário. Embora o interior de tal cúpula seja esférico, no seu exterior apresenta acabamento octogonal de raro esmero. Salta aos olhos também o crucifixo, ponto alto do arco do cruzeiro, obra de raríssima qualidade escultórica de mais de 3,0 metros de altura.
São exceções às deformações dos coruchéus que arrematam a nave, os coruchéus que fazem o fechamento do corpo menor, referente à capela mor, como se vê acima. Estes são absolutamente simétricos e iguais entre si.
Na empena lateral do campanário dois óculos circulares possibilitam luz e aeração do interior. Já na Sacristia, de cada lado da Igreja se notam dois óculos quadrifólios cônicos cujo interior se mostra de área bem maior do que o exterior.
O campanário: um dos maiores expoentes da Igreja da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro é sua torre sineira, composta por três abóbadas de arestas que de sobrepõem uma às outras e ainda mais, pela sala dos sinos propriamente dita, localizada no que se pode chamar de “um quarto andar”, coberto por uma cúpula. Todo edificado em pedras, o conjunto repousa sobre quatro imensos apoios. Dois destes apoios, os externos, constituem a galilé da Igreja (foto à esquerda, abaixo). Os posteriores fazem parte dos blocos estereotomicos mais concentrados da igreja, blocos estes de grandes proporções (ver detalhe no desenho abaixo).
As fotos abaixo mostram a galilé sob o campanário, onde se pode vislumbrar a belíssima abóbada de arestas do piso baixo.
O plano adro da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro é magnífico; mede aproximadamente 40 X 55m e a ermida centralizada deixa cerca de 13m de cada lado.
A planta abaixo está publicada no livro do Prof. A. C. Silva Telles, intitulado Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Por estar situada no alto do promontório, sem que possa ser assediada por outras edificações que lhe roubem a importância, a Igreja da Glória do Outeiro é impar. O aterro do Flamengo afastou-lhe o mar, mas trouxe uma maior beleza para aquele que procura a paz de seu adro.
Como se nota na planta baixa acima, ao fundo à direita há elegante arremate de um poço em cantaria floreada. Este acabamento no terrapleno do adro é o acesso a um salão abobadado (abóbada de berço) de aproximadamente 4,0 X 6,0m, que embora hoje não seja mais usado, já funcionou como ótima cisterna, também recebendo as águas pluviais oriundas do adro através de um sistema de captação que utilizava alcatruzes. As fotos abaixo mostram esse ambiente:
O grosseiro esquema (um croqui sem escala) e a fotomontagem abaixo, têm ambos a missão didática de ilustrar o posicionamento desta cisterna para que se tenha a correta ideia:
Há vários outros aspectos a serem analisados por aquele que desejar estudar a Igreja da Glória do Outeiro; um destes é a sua azulejaria, da qual tecer comentários aprofundados seria uma leviandade.
Todavia, sobre este tema disse o Prof. Silva Telles: “A este conjunto de impressionante sobriedade, conferem colorido gracioso as preciosas barras de azulejos setecentistas que adornam o templo – nave e capela mor – assim como a sacristia e o coro.” (…) “Toda a azulejaria revela o estilo e o desenho de um mesmo autor”. (…) “O fato de terem sido fabricados especialmente para seus sítios (haja vista as coincidências de medidas de painéis) e dos panos de paredes) serve para confirmar a data de edificação da Igreja, antes de 1739″.
Da mesma forma não desenvolveremos o tema dos altares e púlpitos, as imagens falarão por si. Todo o presbitério é encimado por uma abóbada de berço. Os três altares encontram-se em decapé (quando se retira todas as sucessivas camadas de tinta até voltar à madeira original). Na última foto pode-se notar uma cimalha falsa de madeira na altura da imposta da abóbada de berço do sacro ambiente.
Peças inteiriças esculpidas em um único bloco de Mármore de Lióz, as bacias dos púlpitos remetem à bacia do coro. Também foram executados na mesma pedra, a Madonna da sobreverga principal e os adornos das portas laterais.
Animação esquemática da estereotomia da Igreja da Glória do Outeiro (prefira o modo “fullscreen“):
Todo o estudo que aqui apresento, e outros que ainda guardo sobre o mesmo monumento, não teriam sido possíveis sem a colaboração valiosa do Prof. Antônio Fabiano Maia, ex-museólogo da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, a quem empenho eterna amizade e agradecimentos.