País Jesuítico-Guarani (introdução)

Autoria do mapa: Ana Luísa Murce Mazzarelli

Breve notícia histórica: País Jesuítico Guarani (composição e edição de texto: Laís do Santos Jasmim).

A Companhia de Jesus, fundada em 1534 por Santo Inácio de Loyola (1491-1556), era a principal força da Igreja Católica no processo da Contrarreforma. Os Jesuítas, membros dessa ordem religiosa, tinham como finalidade central os trabalhos missionário e educacional. Estes tornaram-se essenciais sendo considerados soldados de Cristo, lutando pela Igreja e propagando a fé católica. A estrutura da Companhia era governada por um Conselho Geral sediado na Espanha e possuía representantes em suas províncias. A sexta província foi o Brasil no ano de 1553.

Enviados pelo Rei Dom João III (1521-1557), tanto os constituintes do Governo Geral, criado em 1548, quanto os jesuítas faziam parte da proposta de colonização. Para os portugueses, a colonização do Novo mundo era baseada na disseminação de dogmas e na salvação dos nativos. O Governador Geral usou os jesuítas para cumprir sua obrigação de criar acordos com os indígenas e iniciar a catequização, disponibilizando terras para ajudar na integração produtiva na economia colonial e os livrando da escravidão. Chegaram ao Brasil, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), em 1549, com objetivo de instaurar as Missões Jesuíticas. Missões, ou Reduções, possuíam o propósito de agrupar nações indígenas que estivessem dispersas, com o intuito de civilizar e catequizar tais povos.

Liderados por Aleixo Garcia, aventureiros paulistas (bandeirantes ou sertanistas), ao percorrer trilhas no sul do Brasil conhecidas como ”Caminho do Peabiru”, em meados de 1524, conheceram a nação Guarani. Pelo nome Guarani, tratavam a inúmeros grupos distintos que ocupavam a região e que, todavia, foram tipificados como iguais, devido à ignorância dos colonizadores. Os Guaranis eram amistosos e sua agricultura se concentrava no cultivo da mandioca, do milho e da erva sagrada (erva mate). Desde o primeiro encontro com a tribo, os bandeirantes planejavam ataques direcionados a escravizar os indígenas que ali se situavam.

Após uma tentativa frustrada de catequizar os Tupinambás (por volta de 1556), em Salvador, onde muitos índios morreram principalmente de varíola e outras doenças advindas do Velho Mundo, os padres seguiram outro caminho a fim de encontrar a nação Guarani.

A Companhia de Jesus iniciou incontáveis povoados na América, a partir do século XVII. Aspirando a ocupação de territórios atribuídos a Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, convergiram seus aldeamentos nas regiões onde hoje pertencem ao Brasil, Uruguai, Argentina, Bolívia, Paraguai e Peru.

Dentre todos os povos nativos encontrados na parte Sul da América, os Charruas e os Minuanos se destacaram; ambos povos eram nômades e caçadores por natureza. Os Charruas ocupavam os pampas gaúchos, uruguaios e parte da Argentina, eram considerados os “irredutíveis” por serem indomáveis. Eles roubavam gado e os ervais das reduções; motivados por esses acontecimentos, índios guaranis armados pelos jesuítas, foram os iniciantes em sua exterminação. Ademais, o índio Sepé Tiarajú foi um dos responsáveis pela “caça” aos Charruas. Os portugueses se aliaram inicialmente com os Minuanos, habitantes da restinga na Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim no sul do Rio Grande do Sul. Firmaram um acordo em 1737, quando os portugueses criaram a cidade de Rio Grande.

Conhecidos por ser uma comunidade mais ”civilizada”, abertos à catequização e mais pacíficos, os Guaranis encontravam-se na região onde, hoje, faz parte do Brasil, do Paraguai e da Argentina, mais especificamente entre os rios Paraguai, Paraná, Paranapanema, Iguaçu e Uruguai. A partir do contato entre os jesuítas e os nativos, foram fundadas quatro grandes províncias jesuíticas: Guayrá, Tape, Itatim e as Missões propriamente ditas.

A província do Guayrá iniciou-se em 1609 com suas duas primeiras reduções, Loreto e San Ignácio, no vale do rio Paranapanema. Instaurada por Antonio Ruiz de Montoya (1585-1652), nascido em Lima, no Peru, Montoya era linguista e apaixonado pelo Guarani. A província Guayrá chegou a ter 13 reduções criadas entre 1609 e 1624.

Tape foi criada pelo padre Roque Gonzáles de Santa Cruz (1576-1628), que havia crescido em uma família de “encomienderos” (responsáveis por receber a encomienda, uma organização posta pela coroa como forma de regular o recolhimento de tributos e delimitar o trabalho indígena)no Paraguai, foi especialista em agricultura, atuou como arquiteto e linguista. Além disso, o referido padre fundou cerca de 10 reduções no Rio Grande do Sul, foi considerado um santo e tem seu coração preservado até os dias atuais. Ao todo, a província do Tape possuiu 18 reduções.

Itatim foi formada em uma região na qual, hoje, encontra-se o oeste do Rio Grande do Sul. Essa província foi iniciada a partir do pedido de uma comissão de nativos solicitando a formação de uma redução naquele território, para que se criasse um refúgio contra a ação dos “encomienderos”. A província foi liderada pelo jesuíta Diego Ferrer e tornou a abrigar 13 reduções.

As Missões, propriamente ditas, contavam com cerca de 26 reduções e se encontravam na região entre os rios Paraná, Paraguai e Uruguai.

As reduções se tornaram povoadas e autossuficientes, com estrutura administrativa, econômica e cultural, sempre seguindo modelos europeus. Outrossim, por considerar os indígenas homens bons, as ações idealizadas nas reduções por parte dos jesuítas sempre seguiam um cunho civilizador e evangelizador, com o objetivo de criar uma sociedade cristã, porém sem as maldades e vícios da Europa. Os indígenas ali estudavam latim, guarani, música, faziam artes, escreviam livros, aprendiam diversos ofícios, plantavam ervais e sempre trabalhavam com horário pré-determinado. Entretanto, apesar do aprendizado dos nativos, foi um processo delicado de aculturação.

O Rei Felipe III (1578-1621), da então União Ibérica, publicou, a partir de 1607, uma série de decretos que salvaguardaram as Missões, dando-lhes total independência, desde que houvesse um representante da coroa presente. Além disso, proibiu a captura dos índios reduzidos por parte dos “encomienderos”. Tal conjuntura aumentou, significativamente, o número de indígenas nas reduções.

Devido a ataques de paulistas, em 1630, Ruiz de Montoya liderou uma retirada do Guayrá. Por consequência dessa situação, cerca de 12 mil índios fugiram para o Paraguai, porém somente 4 mil chegaram ao destino final. Calcula-se que em 1630 tenham sido mortos ou aprisionados aproximadamente 30 mil nativos da região do Paraguai.

Em 1638, Ruiz de Montoya foi a Madri e conseguiu que o Rei Felipe IV (1605-1665) autorizasse o armamento dos índios, para que estes enfrentassem ou bandeirantes. Além disso, garantiu que o Papa Urbano VIII (1568-1644) promulgasse uma bula decretando a excomunhão de quem escravizasse os Guaranis.

Em meados do séc. XVII, muitas reduções eram prósperas tendo um comércio ativo com cidades e províncias próximas e em alguns casos até exportando produtos para a Europa; apresentavam estrutura administrativa e econômica mais eficiente e humana, além de tecnologias mais avançadas, se comparadas às vilas e cidades dos colonos. Por fim, abrigavam um sofisticado plano urbanístico muito bem dividido, sempre com uma praça central de grandes dimensões que servia como elemento integrador.

Após 18 reduções serem destruídas, a antiga província do Tape, no primeiro ciclo missioneiro, pelos bandeirantes e exploradores portugueses, os jesuítas começaram a retornar as antigas terras, iniciando o segundo ciclo, a partir de 1682. Faziam parte dos Sete Povos do oriente, no Rio Grande do Sul, as Missões:

Missãofundada pelo padre
São Francisco de BorjaFrancisco Garcia
São Luiz GonzagaAlfonso Del Castilho
São NicolauAnselmo De La Matta (1658-1732)
São Miguel ArcanjoCristóvão De Mendonça
São Lourenço MártirBernardo De La Veja
São João BatistaAntonio Sepp (1655 – 1733)
Santo Ângelo CustódioDiogo de Hasse

A Redução de São Miguel Arcanjo foi fundada em 1632. Devido aos ataques destruidores e saqueadores do bandeirantes provenientes de São Paulo em busca de escravos indígenas, a população miguelina se mudou, em 1638, para a margem ocidental do Rio Uruguay. Em 1687, retornou ao local de origem tentando conter as invasões dos portugueses, que tentavam ocupar o Rio da Prata e mantinham a Colonia del Sacramento, como o ponto mais austral (meridional) dos seus territórios.
Dentre as Reduções, a Missão de São Miguel Arcanjo, viveu seu apogeu na primeira metade do século XVIII, período em que ocorreu a construção da Igreja, abrigando então esta Redução, seis mil Guaranis.

As Missões permaneceram no centro de inúmeras disputas territoriais entre Espanha e Portugal. Os confrontos se iniciaram em 1680 e continuaram até o Tratado de Madri, em 1750. O acordo remarcava o território antes definido pelo Tratado de Tordesilhas. Assentava a troca da região oriental dos Sete Povos das Missões, que pertencia a Espanha, pela a área da Colônia Del Sacramento na Argentina, pertencente a Portugal. Com início em 1752, uma equipe de cartógrafos, engenheiros, geógrafos, astrônomos, entre outros, que faziam parte das comissões demarcadoras, chegaram ao território.

Os Jesuítas e os indígenas foram contrários ao conteúdo do Tratado e reagiram às decisões tomadas na Europa. Não sendo escutados, os Guarani resolveram dificultar a implantação do Tratado. Em 1754, quando Portugal foi tomar posse do território, dispôs do exército espanhol para realizar as medidas do acordo. Como consequência, entre 1754 e 1756, travou-se a Guerra Guaranítica, onde cerca de 1620 homens (dentre eles 200 bandeirantes) a mandato de Portugal e 1670 homens do exército espanhol destroçaram os Guaranis, que lutavam para permanecer em suas terras.

Na luta contra os indígenas, aproximadamente de 20 mil índios morreram. Os missioneiros foram liderados pelo índio José Tiarajú, também chamado Sepé Tiarajú, morto em 17 de fevereiro de 1756. Três dias depois houve a batalha final de Caiboaté.

Em 17 de maio, as comitivas portuguesa e espanhola vitoriosas, ocuparam a Redução de São Miguel Arcanjo e suas impressões sobre a cultura missioneira foi devidamente registrada em assentamentos, diários, desenhos e mapas. Uma vez expulsos, o que restou do povo Guarani só pode retornar ao seu lugar em São Miguel, após o Tratado de El Pardo, em 1761.

Em meados do sec. XVIII, os jesuítas foram suspeitos de tentar criar um império independente. Devido ao sucesso econômico, autonomia administrativa das reduções e a influência que exerciam sobre os indígenas, estes começaram a ser vistos como uma ameaça ao poder das Coroas Ibéricas. Os Sete Povos voltaram ao domínio espanhol, mas a confiança nos Jesuítas e nas autoridades ibéricas, foi arruinada. Os conflitos aumentaram, fato que corroborou a expulsão das colônias a partir de 1759 pelo Marquês de Pombal e dissolução da companhia em 1773.

Novamente, os Sete Povos foram invadidos pelos portugueses em 1801. Depois, ainda mais uma vez, foram saqueados pelos Uruguaios comandados por Rivera em 1829 quando foi aniquilada, o que ainda restava da cultura. Em 1835 restavam apenas 374 indivíduos da nação Guarani. Somente após 1930 o Brasil retoma a preservação do patrimônio edificado.

ParaguaiArgentinaBolívia
San Ignácio Guazú – 1609San Ignácio – 1610San Javier – 1691
Santa Maria de Fé – 1647Candelária – 1633San Rafael de Velasco – 1659
Santa Rosa – 1698Santa Ana – 1633San José de Chiquitos – 1698
Santiago – 1669Nuestra Señora de Loreto – 1632Concepción – 1699
San Cosme y Damián – 1632Santa Maria – 1626San Miguel de Velasco – 1721
Santíssima Trindad del Paraná – 1685San Carlos – 1631Santa Ana de Velasco – 1755
Jesús de Tavarangue – 1685 San Juan Bautista
 Santo Corazón
Santiago de Chiquitos
Santo Corazón

Principais Arquitetos das Reduções

Ir. José Brasanelli

Ir. João Batista Primoli

Ir. José Grimau

Pe. Juan Antônio de Rivera

Pe. Antonio Sepp Von Rechegg

Pe. Ângelo Petragrassa

Pe. Diego Palacios